terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Amar num tamanho 38

Uma época em que cada vez mais surgem movimentos que tentam provar que as mentalidades estão mudadas quanto aos estereótipos sobre o corpo e em que ser diferente não faz mal, questiono-me quanto ao lado prático da questão. 

É que falar e partilhar vídeos do Youtube é muito fácil. O difícil mesmo é fazer realmente as pessoas sentirem-se bem como são. Sim – fazer com que elas se sintam. Isto porque elas até podem estar na boa com o seu físico, mas há sempre quem teime, por vezes sem querer, em incutir um espírito de “not good enough”. 

Recordo-me de uma paixão arrebatadora que vivi (e que, logicamente, como vão perceber porquê, durou apenas um mês e meio) em que também fui confrontada com o facto de “ter que ser uma miúda à altura” de quem faz ginásio e come muita alface, assim como ter descoberto que pareço bonita “às vezes” nas fotos do Facebook”, ao passo que outras vezes sou “esquisita”. Por segundos ainda acreditei que era vital para a minha existência vestir um 32 de calças e ir à depilação semanalmente. Foram longos segundos, até que o meu cérebro me disse que ambos estávamos a avaliar mal a situação, porque há mais pessoas no mundo – umas irão servir para satisfazer os requisitos dele e outras irão gostar de mim tal como sou. 

E esta é uma lição de vida que levo. As pessoas são como são, e se eu não gosto não tenho que fazer por gostar ou, pior, dizer ao outro como queria que ele fosse. Ser egoísta às vezes é bom, mas não nestes casos. 

É que é errado achar que tem que toda a gente tem de se encaixar nos nossos padrões, ou nós nos dos outros. Assim como é errado achar que a “amiga gorda” não pode ir para casa com o rapaz mais bonito da festa, e que o “bexigoso” não pode ser super fixe e bonito. Mas o pior mesmo é que os visados se vejam com esses rótulos quando se olham ao espelho. 

O problema? É que achamos que não somos tão bons quanto o resto da humanidade. O melhor exemplo é um dos tais vídeos de que falo linhas acima, e em foram filmadas as reacções de vários estudantes enquanto lhes diziam “acho-te bonito/a”. Muitos sorriram, a maioria não acreditou e alguns foram agressivos até. 

A norma não deveria ser a surpresa estampada no rosto, porque alguém deveria ter dito antes “és bonito/a”. A norma deveria ser poder enfrentar o mundo com confiança, sem ter nas costas o peso de, eventualmente, “not good enough”. E hoje, em consciência, acho que amar e ser amado num tamanho 38 é tão fixe quanto num tamanho 32 – somente porque todos somos bons o suficiente.

Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste

Foto: https://onmogul.s3.amazonaws.com/uploads/article/thumbnail/11887/pink-tilted-tiara-and-number-38-md.png

O que eu gostava que dissessem sobre mim

Tenho a ideia, por diversas conversas mantidas com elementos do sexo oposto, que os homens consideram que é muito complicado agradar no amor. Por isso, tomei a liberdade de encenar uma carta de amor, ou melhor, uma declaração própria para publicar as redes sociais ou para escrever um diário fechado a sete chaves, que hoje em dia é quase a mesma coisa. 

Na minha modesta opinião, se a mim fosse dirigida uma dessas missivas, gostava que fosse assim:
 “Ela chega, e o chão começa a amolecer. Afinal, com ela descobri que o mundo é feito de manteiga, e ela tem a temperatura certa para a derreter. Olha o mundo de frente, mas não me olha a mim de frente. Quero acreditar que não consegue, que luta contra os seus instintos para não o fazer, para que eu não veja o doce nuns olhos que querem ser duros.

Ela chega, e o ar fica pesado. O que hei-de fazer, quando todo o meu corpo me diz que preciso de lhe tocar, nem que seja para ver se tem as mãos frias, e confirmar que estão tão frias como as minhas? O toque… Evito para que não perceba a felicidade da minha pele ao sentir a dela.

Ela chega, e sei que lhe quero falar. Não tenho nada para lhe dizer. Ou talvez tenha. Tenho tanto para lhe contar. Tudo para lhe contar. Nem que o tudo seja nada, e que falemos sobre o sabor das pastilhas elásticas do Jorge Jesus, ela vai ouvir-me. Eu sei que sim. Mas, não vou falar. É demasiado complicado falar com alguém que se está a beijar languidamente em pensamento. 

Ela é mais do que eu queria, e, por isso, não posso ter. Não quero ter. Não posso. Não quero. Tanto faz. É que ela nunca tem medo, sabe o que quer, e eu…só a queria a ela. 

Ela aparece, e começo a ouvir uma música de fundo. Não sei que música é, porque, quem sabe, talvez nem haja nenhuma e seja só o som da voz dela. É música, falar com ela. Ouvi-la. Fazê-la falar é uma delícia. Ó se é. 

Ela chega, e tenho de olhar para ela. Ver se está inteira, tal como a minha memória a perpetrou. Está sempre melhor, mais real, com um dado novo para acrescentar na minha cabeça.

Ela gosta de coisas que eu nunca gostaria. Eu gosto de coisa que ela deve detestar. Mas somos tão iguais. Curioso, ver compatibilidades nas diferenças. Ou, melhor, possibilidades nas diferenças.

E, quando ela vai embora? Lembro-me que não lhe falei, que não olhei o suficiente, que não ouvi que bastasse. Não sei se fico triste, se me falta algo ou não. Não penso sobre isso. Porque sei que, em algum lado, alguém já conspira para que ela não fuja da minha vida. Nunca mais.” 

Estão a ver? É simples…

Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste

Foto: http://leitecondensadoascolheradas.blogspot.pt/2009/11/o-amor-e-algo-muito-kitsch-e-foleiro.html

A ressaca do amor

Para os mais incautos, recordo que no domingo foi Dia de São Valentim. Digo para os mais incautos, porque ter-me-ia também a mim passado despercebido não fossem as redes sociais, onde vi jantares, almoços, prendas das caras, fotos de casais a arrulhar e até pedidos de casamento.

Bom, apesar de não ter nada de wow! para partilhar sobre este dia (até porque acho que ninguém quer ver fotografias minhas com meias grossas e um cobertor enrolado, a fazer de iglu, enquanto vejo televisão), o que mais me deixa feliz é que no dia seguinte não tive de ouvir os relatos exaustivos sobre “o quão maravilhoso foi o dia”. Ou não. Haverá sempre o que apontar.

O dia seguinte, a ressaca do dia do amor, é do pior que podem fazer aos solteiros, ou àquelas pessoas cuja existência numa relação não incluiu surpresas espectaculares e viagem de sonho.

“E depois ele deu-me uma rosa, pegou com a mão esquerda, depois com a direita, fez de conta que não ma ia dar, mas ...!... o que é que é istooooo! Fez um truque, esticou a mão e… deu-ma! DEUUUUU-MAAAAAAAA!!!!!!”. É que, ena pá, não é preciso, a sério.

Houve quem, por motivos que desconheço, não tenha partilhado no próprio dia as imagens deste acontecimento glorioso. Então guardou para segunda-feira todas as emoções. E as redes sociais estagnaram, quero crer porque é difícil avançar num campo informático coberto de mel. É que o mel cola, e pode estragar as coisas.

Não tenho nada contra o amor e quem se ama, juro que não, e sem fazer figas atrás das costas. Acho muito bem que se viva o amor, dentro e fora do Dia dos Namorados. Só não acho bem que tenhamos de acompanhar em direto ou em diferido (os “tais” casos do the day after) as maluquices que se fazem no 14 de Fevereiro, em nome do amor.

Também foi dia, e nos seguintes, de os solteiros e em casos semelhantes, expressarem que o que é bom é andar na gandaia, sem compromissos e com a carteira mais recheada (é que se gasta muito, avaliando comes e bebes, prendas, roupas e mega produções para a intimidade). Houve quem aproveitasse, até, para mandar umas bocas foleiras sobre “podíamos ser nós, só que não vai acontecer por mais anos que vivas.”

Eu, pessoalmente, e como já disse acima, não tenho nada para partilhar. Talvez esteja só ressabiada, mas posso estar também a salvar vidas. É que, pensem nisto: o tal São Valentim foi mártir. Morreu por causas ligadas ao amor dos outros. Então, se para haver este dia já houve uma morte, justifica-se continuar a martirizar os amigos, conhecidos ou meros transeuntes com corações e cenas vermelhas? É pá, guardem a palavra “surpresa!” para o final da bola, que o campeonato sim, está emocionante.

Publicado originalmente em: Notícias do Nordeste