quarta-feira, 29 de outubro de 2014

No meu mundo tudo se resolve com uma regra de três simples.
As incógnitas são fáceis de achar, e não há números elevados ao quadrado, nem fracções. Raramente há números decimais, porque gosto de tudo por inteiro; ou arredondado, que não tenho tempo a perder com miudezas.
No meu mundo não há fórmulas nem teoremas. É tudo simples, sem “rituais” ou passos definidos. Não é preciso separar nada nas equações, que já por si nascem iguais.
Não há nunca a hipótese de espreitar as soluções nas páginas finais.
O que acontece a muitas pessoas é que, mesmo que saibam o resultado esperado, não sabem como lá chegar. E de que serve saber onde está o queijo se não sabemos fazer chegar o rato?
O meu mundo é intuitivo, guiado por vontades alheias ao rigor das ciências.
É o meu mundo, e quem define as regras sou eu. Posso quebrá-las, alterá-las ou ignorá-las.
As potências foram substituídas por potenciais. Não há domínios nem sub-domínios, muito menos contra-domínios. Nem limites, isso também não.

O resultado final, esse, está certo, quod erat demonstrandum.


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

"Sou especial"

Há pessoas diferentes. Especiais.
Noutros tempos, a conotação “especial” de especial pouco tinha.
Pelo contrário, ser especial podia ser uma forma carinhosa de dizer que alguém não bate bem da bola, ou é tantã da cabeça. 
Agora, neste louco século XXI (e dizem que loucos foram os anos 20 do século passado… Pois…) toda a gente é especial.
E, perguntam os caros leitores: quer isto dizer que estamos todos a fritar a batatola?
Quer. Mas isso são outros quinhentos, e por isso a resposta adequada é – não, não estamos. Relaxem.
A história mais recente trouxe modas bem mais virais do que as selfies ou as pulseiras de elásticos. E também mais encoberta. É ela a tendência mundial para ser especial.
Quando ser “especial” era mau, ninguém queria dar o corpo ao manifesto. Não senhor.
“É você que diz que é a Terra que anda à volta do Sol?”. “Mas está tudo doido? Nah, não disse nada disso, homem!”, foi o que respondeu Galileu. E safou-se. Isto porquê? Porque até tinha uma boa teoria (e real) só que não estava disposto a arriscar o pescoço por ela.
Na era dos computadores, da web, das operadoras que baixam os custos no fornecimento de internet, e, consequentemente, dos vídeos virais online, todos querem estar na linha da frente em alguma coisa.
Se fosse hoje, o Galileu tinha um canal no Youtube (apoiado pelo Vaticano, como dizem ter sucedido na vida real), e o vídeo da sua teoria seria viral.
A grande diferença seria mesmo que nunca Galileu rejeitaria a sua ideia, nem a tentaria revogar. Aliás, ainda a apimentaria mais. E estaria na capa dos jornais, e de todas as revistas cor-de-rosa. E nos telejornais nacionais. E nas rádios. E em outdoors. Em tudo, enfim.
Lá estaria ele, a afiar facas, a ripostar contra quem quer que fosse que lhe apontasse uma lasca de unha.
Ora, acontece que proliferam ideias e teorias, vindas de qualquer parte. É comum estarmos a comer um prato de sopa e “olha, cá está uma ideia”.
É por isso que há estudos sobre tudo e mais alguma coisa. Aliás, mesmo a minha declaração anterior era uma boa tese. Ora reparem – “pessoas que comem sopa têm mais ideias revolucionárias”. Estão a ver?
Note-se que, por norma, pensa-se que quem tem ideias são as pessoas especiais – bem ao jeito de Galileu.
Porém, abram-se bocas de espanto, não somos todos Galileu (fomos todos macacos no Facebook, mas o movimento Galileu ainda não chegou). O que significa que por mais ideias práticas que tivermos, boas até, que resolvam o nosso dia-a-dia ou a nossa vida, ninguém garante que vão evitar guerras, fome, catástrofes naturais e o aquecimento global.
Podemos, e devemos ser especiais em tudo que fazemos. Mas vamos deixar-nos disto de querer ser progressista radical, publicar livros e dar entrevistas (ou vender, quiçá).
Não ao “especialismo” colectivo! Não à mudança do mundo através de ideias que nascem e morrem numa mesa de café! Não ao querer ser diferente, muitas vezes de formas absurdas (a internet tem tão bons exemplos disto).
Devíamos ser especiais, em paradoxo. Ou seja, vamos ser especiais de forma normal.
Tenho tão boas ideias…
Espera lá! Ó diabo…

In Jornal Terra Quente (edição 551)

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Esmigalhados

“Mas tás parva, mulher?”, pergunta um bocadinho de mim. “Olha, se calhar até estou, sei lá.”, e o outro bocadinho vai embora, chateado.
Outro bocadinho já tinha saído meia hora antes da acesa discussão, para comprar pão, e outro bocadinho continua enroscado num canto, a ler um livro, ignorando tudo o resto.
Outro bocadinho ainda não acordou, porque chegou tarde a casa. E outro bocadinho nem dormiu, porque tem tido muito que fazer.
Outro bocadinho está, neste momento em que vos escrevo, a fazer as malas, porque quer viajar. E outro está a trabalhar, que alguém tem de ganhar dinheiro!
Isto podia ser simples, como acontece os filmes de animação, ou há uns anos num anúncio de iogurtes (“Brigadeiro engorda, brigadeiro não!”). Ou seja, um anjo e um diabo. Um lado bom e um lado mau, como que se a nossa alma estivesse dividida em dois hemisférios, que se digladiam de manhã à noite.
Na vida real, não é assim. No nosso mundo somos mais pessoanos. Porquê estar dividido em bom e mau, se somos, de facto, muitos? E não necessariamente bons ou maus.
Podemos ter um anjo e um diabo, algures, a fazer cócegas nos refegos da alma. No entanto, temos outra parte que não quer saber de nada daquilo, a parte distraída, que nunca sabe de nada, a parte “tu é que sabes”, a parte festeira, a soturna, a chateada/revoltada, a alegre, a que chora nos casamentos, e a que usa botas com biqueiras de aço.
Temos partes. Muitas. Assim é que é.
Somos seres heterogéneos por dentro, que se materializam num ser homogéneo por fora. Por isso dizemos, na rua “olha, é fulano de tal”. Mas, muitas vezes não sabemos mais nada daquela pessoa, porque não lhe conhecemos o interior.
Classificar as pessoas como “boas” ou “más” é muito limitador. Deve ser por isso que o ser humano é tão fascinante.
Aqui por dentro temos bocadinhos à solta. Manifs adivinham-se todos os dias, e as decisões vão a votação (por isso é que às vezes demoram).
Um dia tenho de marcar uma reunião geral com esta malta, para por alguma ordem!




segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A raspar é que a gente enriquece

De manhã, à hora do almoço e ao final do dia.
Invariavelmente, há sempre gente em sítios específicos aqui na cidade – nos quiosques.
“As pessoas lêem muito”, pensarão os mais incautos.
Chegam a fazer fila as pessoas que buscam a sorte de comprar, com um euro ou pouco mais, o descanso eterno. Não, c’um raio, não é esse descanso eterno. É aquele alcançado quando temos tanto dinheiro que chega para viver fartamente esta vida e as próximas 5000 reencarnações.
Raspadinhas – a moda que chegou para ficar. A malta tenta a sorte em pedacinhos de papel coloridos, em que temos de raspar (normalmente com moedinhas “pretas”, de 1 ou 2 cêntimos) e encontrar símbolos iguais, que nos dêem um grande numerário (descontando, dependendo da quantia, os devidos impostos).
De manhã, a raspadinha pode ser o passaporte para não ir trabalhar e ter um dia épico. Depois do almoço, maços de notas caíam bem como digestivo, e não se ia trabalhar. À noite tenta-se de novo, porque no dia seguinte era perfeito para um “demito-me”, pegar na bóia, no fato-de-banho e no protector solar e rumar a uma praia paradisíaca, com cocktails a aparecer, materializando-se do nada.
Claro que há pessoas que ganham. Nós sabemos porque é assunto digno de notícia, embora quem dê a cara, pomposamente, sejam os donos dos ditos quiosques e pontos de venda, abençoados com lotes de milionários papéis coloridos.
A maioria dos comuns mortais vai jogar uma vida inteira, e nas seguintes encarnações, sem que veja um único cheque chorudo dos Jogos Santa Casa. E faz sentido não é? Se todos ganhássemos por dá cá aquela palha, além do problema do excesso de ricos,que iria desequilibrar a balança comercial, com o aumento das importações (aumentariam as receitas em impostos, é certo, isso sim), não seria um negócio rentável.
Os jogos que metem cifrões não são inventados e mantidos só porque é muito divertido e porque se quer uma avalanche de novos-ricos. Toda a gente sabe, certo?
Às vezes, quando me desloco a um destes quiosques, normalmente à quinta-feira, e por isso em tempo de experimentar também as filas dos euromilhonáticos, ouço dos lamentos dirigidos ao quiosqueiro. “Nunca me sai nada… Ora veja lá, tem prémio? Oh, já sabia…”, ao qual o senhor do outro lado, o dono dos papéis mágicos, apenas responde “Pois é. Mais uma?”.
Voltando um pouco atrás, há pessoas tão descrentes que algum ser não dotado de poderes especiais possa ser bafejado por tamanha sorte, que já se criaram fóruns de discussão online, onde se pergunta “Então mas há desse lado algum ganhador? É que eu jogo há imenso tempo, e nunca ganhei nada”. Há quem responda que antes, quando começou a jogar, ia-lhe saindo alguma coisita, mas que ultimamente parecem ter fechado as comportas que jorram dinheiro.
Ainda assim, haverá sempre vencedores, que passam imediatamente ao patamar dos sortudos, lá num pedestal.
Os pontos de venda fazem publicidade a si mesmos: “Aqui saiu o 1º prémio/Raspadinha do Natal/ Raspadinha Pé-de-Meia/ Raspadinha que-deu-tantos-zeros-à-direita-à-conta-de-alguém-que-era-indecente-escrever-aqui.
“Saiu aos outros, e não me há-de sair a mim?”. Munido de 1 euro, avança-se, determinado. A maioria das vezes não se ganha. Falta um símbolo, que devia fazer par com outro, e nunca faz. A ânsia de ficar milionário a raspar um papel, com moedinhas pequeninas, das que ninguém quer, fica adiada para amanhã.
Sem malas Louis Vuitton, férias nas Maldivas, mas, sobretudo, sem a hipoteca da casa paga, a mensalidade do carro, as contas de água, luz e gás, as compras do mês, os medicamentos da tensão e o material escolar que faz falta aos filhos, segue-se para o trabalho, quando se tem um.
Não foi desta. Ainda não é desta que se vira o enguiço.
But…

“The world should be prepare when I a millionaire.”


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O dia em que passei a ser “quatro-olhos”


Durante 10 anos, tentei.
Desmesuradamente, tentei.
Esforços falhados ficam para trás. Uma investida foi bem-sucedida. Para trás ficam as horas a ler com o candeeiro da mesinha-de-cabeceira, dias colada ao ecrã da televisão e tempos infindáveis sentada em frente a um computador.
Ainda me lembro tão bem (até porque foi há duas semanas) do anúncio de que seria mesmo desta. O optometrista (palavra que me custa a dizer, pareço um motor de rega a tentar arrancar com pouca gasolina) disse-me assim: “Ligeiro astigmatismo no olho direito. Para melhor conforto visual é melhor usar óculos graduados, de descanso.”
E eu sorri. “Finalmente, irra!”, pensei eu. Agradeci à saga Harry Potter (que cresci a ler), e à J.K.Rowling, bem como a outros títulos e autores que li na calada da noite, e ainda aos programas de TV que vi, a meio palmo de distância, de boca aberta.
Os óculos dão estatuto e parecem tornar a malta mais inteligente. E eu queria pertencer a esse grupo. Li na internet (ainda sem óculos) que metade da população portuguesa precisa, de algum modo, de óculos. Entre alguma coisa como 5 milhões e 200 mil portugueses, tinha eu que pertencer aos outros?
Antes fazia parte do grupo de cromos que têm óculos com lentes de plástico para fingir que vêem mal, e assim estão na moda (porque os óculos são um acessório de moda hoje em dia).
Agora já não.
Escolher os meus óculos (pretos e quadrados) foi tarefa fácil. Faço parte do grupo de afortunadas pessoas a quem tudo fica bem (sempre incluída em minorias).
Depois, veio o horror!
Os óculos estão sempre sujos. Sinto que uso óculos de mergulho, no meio de um mar de algas, e não óculos cuja missão era, supostamente, descansar-me.
Parece que nada os deixa asseados – água e sabão resultam, mas secar é uma tormenta; as ditas toalhitas próprias são gordurosas na sua maioria, e dizem-me que líquido limpa-vidros e jornal não é boa apologia; o paninho que vem na caixa nem sempre se revela eficaz, principalmente no dia em que perdi a caixa dos óculos, com ele lá dentro. Nesse dia não me serviu mesmo para nada.
E a chuva? Ai, a chuva. O pó, imagino, deve ser outra dor de cabeça.
Os problemas não ficam por aqui. Não sei se é da falta de prática, mas quando cumprimento as pessoas com dois beijinhos, sinto que as agrido com a armação (sei que esta frase pode ser facilmente convertida numa piada dita de mau gosto. Não o façam).
Bato em imensa coisa. O meu rosto agora é maior. É como virar um camião numa rua estreita – tudo é um potencial perigo.
Passei pela tormenta de sentir a cabeça esmagada pelas hastes. É incómodo, de facto. E agora, que me estão mais largos, tenho medo que caiam e se estatelem num paralelo qualquer.
Às vezes, confesso, em casa, esqueço-me de os pôr para ler. Outras vezes, esqueço-me de os tirar.
Mas gosto de ser “vidrinhos”, “caixa de óculos” e “quatro-olhos”. Reparei que mais malta me trata por “senhora” (não que goste, mas devo parecer mais velha, sei lá), o que é bom para quem galopa para os 30.

Só é pena dar tanto trabalho, ser quatro-olhos. 

Más línguas, boas conversas.

In Jornal Terra Quente (15 de Setembro de 2014)


segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A actualidade é má!

Muitas pessoas perguntam-se (quero acreditar que sim) por que é que não escrevo sobre a actualidade.

É um facto. Prefiro debruçar-me sobre outros assuntos, a maioria deles (todos?) sem nenhum aplicativo concreto. Gosto tanto da actualidade, que até sou contra o acordo ortográfico!
Basta ser um observador mais ou menos atento do chamado mundo actual para perceber o meu desinteresse em falar sobre ele.
Além de toda a gente já os comentar, (isto de ser seguidora de algo mainstream, que não tenha a ver com a bola, não é para mim) são temas de má rês, com índole duvidosa.
Jornalistas decapitados, inocentes mortos em guerras, vírus perigosos, crimes hediondos, serviços encerrados e, ainda os fogos, porque o Verão não terminou, e até dizem que o pior está para vir.
As minhas últimas palavras – o pior está para vir – são a chave deste desabafo. A actualidade é má. E quando há alguma coisa boa, quer-se efémera, com pouco destaque. É para ser um sorriso solitário neste vale de lágrimas.
Foto retirada de http://www.sol.pt/noticia/105703 
Repare-se que nem as famosas pulseiras feitas com elásticos coloridos, e que para muitos miúdos constituíram a primeira fonte de rendimento (sim, para os mais distraídos, as crianças impingiam os ditos “acessórios” a familiares e amigos) se safaram. E uma coisa que nem era boa nem má, mas que abanou a actualidade, afinal, vai a ver-se, e pode provocar cancro. Puxou-se demasiado o elástico, e rebentou… Acontece.
Para mim nem havia actualidade. Bania-se.
Assim todos teríamos que ser mais criativos e arranjar outros assuntos aos quais dar visibilidade. Até poderia dar-se o caso de começarmos a falar mais com o vizinho, com as pessoas com quem nos encontramos nas filas de espera ou ficássemos a dar dois dedos de conversa quando fôssemos comprar pão.
A actualidade é má. Não gosto de falar sobre ela. Só de pensar, fico arrepiada.
E, eu acho (vale o que vale, bem sei), que quando ninguém quiser saber da actualidade, quando mais ninguém quiser os holofotes mundiais a fazer-me rolar suor cara abaixo, e quando cada um passar a olhar para o seu quinhão, para aquilo que lhe está à frente dos olhos, vamos deixar de ser aqueles que, sentados à mesa do jantar ou de um café, dizem “que pouca vergonha!”, mas que depois seguem, indiferentes, e vamos começar a ser reaccionários.
Uma fórmula que poderá adoçar a actualidade e quebrar-lhe o encanto, para que deixe de ser má, e passe, pelo menos, a ser assim-assim.


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O amor não é para ser cantado

Sou contra as músicas românticas.

Parem já com isso, pelo amor de Deus! Que raio!

Músicas que falam de amores eternos, amores impossíveis, de casamentos, de traições, de separações abruptas que fizeram rolar lágrimas suficientes para encherem três oceanos Pacíficos.

Falar de amor é fácil, e é por isso que eu falo dele. Qualquer pessoa pode falar de amor sem errar. Lá no fundo, o amor é o que nós quisermos. E como quisermos.

Bom, adiante. As músicas românticas são expressões exasperadas de amor. Clamam por sentimento. Até os próprios cantores, ao vivo, colocam um semblante adequado à ocasião, como que se a sua musa estivesse ali. Ou olham para o vazio, com olhos de carneiro mal morto, que, diz o povo, nunca são grande agoiro.

Em bom reparo, se eu soubesse cantar, talvez não escrevesse sobre o amor. Talvez o cantasse. Compunha letras, punha uma guitarra ao ombro, e seguia, estrada abaixo, a trauteá-lo (ao amor, pois está visto).

Cantar o amor torna tudo mais dramático. Palavras profundas, dizeres sábios de quem sofreu na pele dos males do infame sentimento. Também há os que rejubilam com ele. Ou quem seja bipolar nesse campo, como o Bruno Mars, que ora vai casar com ela, ora a perdeu e já anda com outro.

Por exemplo, analise-se esta canção dos Coldplay : Tell me you love me/ If you don't then lie/Lie to me.
Ora, é lá bom mentir a alguém? Ou se ama ou não. Agora, querer que lhe mintam? Hmmm. Suspeito. Então o pessoal do amor pede sinceridade, e agora é isto?

E, repare-se, qual música que fale sobre amor ou corações palpitantes, tem o caminho aberto para o sucesso.

Caso do Luan Santana, que diz que “amar não é pecado”. Pois não. Mas devia ser. E cantarolar sobre ele igualmente.

Uma overdose de amor, é o que temos nas rádios, nas redes sociais e em todas as esquinas.

O amor persegue os incautos. Apanha-os desprevenidos no trânsito. Salta-lhes de becos escuros, armado até aos dentes.

O amor não passa despercebido. Porque o amor sacoleja-nos como marionetas em dia de teatro, grita a plenos pulmões, confunde-nos, magoa-nos, tira-nos sono, fome e sede. Por vezes a dignidade.

E, pior.

Canta-nos.




quinta-feira, 4 de setembro de 2014

“Amanhã” ainda cá estaremos?

O maior medo chama-se “amanhã”.

O “amanhã” é tramado, é sim senhor. Porque ninguém sabe como vai ser. E temos tantos planos para ele…

Só que, acontece com frequência, descobrimos que os planos têm falhas, subterfúgios e que tendem a correr da forma que não queremos.

O “amanhã” é um pequeno trasgo transmontano, que é uma espécie de duende traquina, cheio de vontades e humores.

No “amanhã” queremos partir correntes, queremos brilhar, queremos chegar ao pôr-do-sol com a sensação de dever cumprido. E chega o “amanhã” e muda tudo. Ou melhor, nada muda.

As mesmas correntes, o mesmo dia bacento, a mesma sensação de que podia ter sido diferente.

Esperamos por outro “amanhã”, com pouca paciência e menos entusiasmo – já sabemos que ele nos vai lixar.

“Um dia…”, ouve-se, algures. Talvez só dentro da nossa cabeça, a martelar, a rodopiar, como uma bala perdida a fazer ricochete.

“Um dia…”, dizemos. E acreditamos. Tem que ser assim.

Um dia, vamos ultrapassar medos, barreiras. Vamos ser bons, ou fazer de um tudo para sermos piores (porque é preciso também).

Que o “amanhã” não nos tire o horizonte. De “amanhã” em “amanhã” chegamos ao “um dia”, aquele que será só nosso.

Até “amanhã”.





terça-feira, 2 de setembro de 2014

O recomeço quase no fim do ano

Tenho reparado que muita gente anda a escrever sobre este novo mês.
Setembro parece inspirar as pessoas, e, deduzo, consideram-no um mês de mudanças - ora porque voltam as aulas, os empregos, as rotinas, as modalidades desportivas, os tribunais e muitas mais coisas, que agora não me lembro.
Bom, Setembro, na opinião da maioria, é então um mês de mudança. Não é como na bola, que a meio trocamos de campo. Nada disso. Junho é só um mês chato porque nem está calor nem frio, não há férias, e também já não há futebol.
Setembro é que é. Ele é o derradeiro mês. Não considero, ainda sim, favorável altura para cumprir as resoluções de ano novo, porque ficamos com um deadline apertadinho.
Compreendo este ponto de vista. Repare-se, nenhum demente, por mais que queira, vai procurar emprego no Verão, quando há água por todo o lado, areia, pessoal descascado e festas que brotam como cogumelos.
Já Setembro é claramente uma boa aposta. Acaba a boa vida, e a todos parece excelente altura para mandar CV’s para todo o lado.
Em Setembro também deve haver promessas infundadas e incumpridas, como na passagem de ano, para quem se esqueceu das anteriores, usando o champanhe a mais como desculpa para isso. E deve haver quem prometa que vai emagrecer, engordar, ler mais ou ser fiel.
Só não entendo esta mania das pessoas em dividirem o ano em etapas. Cada dia é uma etapa. E, se queremos mudar, ou fazer algo diferente, por que é que temos que esperar por algum mês, ou dia, ou hora?
Assim só vamos parecer surfistas, à espera de onda. Pessoalmente, gosto da imagem que tenho dos surfistas, e gostava de esperar ondas com eles, mas isso são outros quinhentos.
Chateiam-me divisões e catalogações temporais. Em Agosto pára o país e o mundo. Em Setembro tudo regressa em força. Agosto é, analisando a cru,  uma falha nos dentes de uma roda – chega ali, estagna, e depois pula.
Podíamos, até, fazer uma festa para este mês, dada a sua carga tão própria e os sentimentos que provoca nas pessoas – quem estuda, fica empolgado; quem já não estuda, fica melancólico; quem trabalha, fica irritado; quem está reformado não pensaa nisso, e vai jogar à sueca com os amigos.
Mas, esperem. Não, não. Esqueçam a festa. Isso exigia feriados, para as devidas recuperações. E temos que pensar no PIB nacional, depois de um mês de papo para o ar.
Por isso, bem-vindos a Setembro.

Dispersar! Que, com certeza, tem muito que fazer hoje.

Meu querido mês de Agosto

Agosto é um mês estranho.
Infiltra-se quando o ano já passou do meio, e são 31 dias que em tudo diferem.
Afectam tudo que possam imaginar.
Em primeiro lugar, os carros. Agosto faz com que muitos carros tenham problemas mecânicos, e os piscas deixam de funcionar. Em nenhum outro mês do ano encontraremos tamanho fenómeno, em que vamos a conduzir e a jogar na lotaria, para perceber quando é que o car...ro da frente vai virar.
Agosto é perito em tirar a roupa às pessoas, mas também afasta algumas loucuras.
Aqui está o facto que o fez bater com o queixo no chão. É verdade. Estou em crer que em Agosto há menos sexo. Ora reparem, há um estudo que diz que a maioria dos portugueses nasceu em Setembro. Já Maio (façam lá as contas) é dos meses em que menos mamãs foram parar à maternidade. É isto.
Em Agosto há filas em todo o lado, a toda a hora – para ir à casa de banho, para comprar pão, nos multibancos (quando há dinheiro nas caixas ATM, ainda) … E por aí adiante.
O malandro do Agosto também tira a vergonha às pessoas. Na praia ou na piscina não há pudor em ficar, literalmente, com os pés na toalha da pessoa do lado. E ainda se reclama, se o dono da toalha não achar piada por ter a mesma ocupada por unhas amarelecidas.
Em Agosto surgem novos idiomas. Há o clássico “je quero quatre natás, e après duas broas”. E resulta. Para isso basta que de Francês saiba as músicas da Édith Piaf.
Resulta noutras línguas, e passo a transcrever um diálogo telefónico que ouvi, sem querer (e pouco podia fazer sobre isso, o senhor estava a gritar): “No estó en Portugal. Mira, me dá de comer aos canários “, e depois a conversa descambou, não em portunhol, mas em português, e não me é permitido escrever aqui com detalhe.
Este fenómeno não está confirmado, mas em Agosto há mais carros de luxo na rua. Coincidência, ou talvez não, nem há uma semana cruzei-me com um Maserati. Há outros carros na rua, mais coloridos e com música muito alta. Este fenómeno, sim, está confirmado.
Em Agosto toda a gente almoça, janta ou petisca fora mais vezes. Porque em Agosto o tempo é escasso para tudo. Parece que os dias encolhem, e que as noites multiplicam-se em festas.
Em Agosto a cerveja sabe melhor. É um par perfeito.
Em Agosto nunca há nada nos supermercados – metade das prateleiras estão sempre desfalcadas.
Em Agosto ninguém tolera dias sem sol e sem uma torreira infernal.
Em Agosto há gente em todo o lado (já disse isto, não já?)
Em Agosto há malta de férias, há pessoas em todo o lado (enfatizar bem), como se tivesse havido um mega-êxodo de algum lado para todo o lado.
Viva àquele que é o querido mês de Dino Meira!


Os empatas

Nunca acreditei tanto em que diz, à boca cheia, que uns e outros só andam cá a empatar a malta.

Pessoalmente, achava que todos fazemos falta, para podermos dar um contributo à humanidade, ou simplesmente para contabilizar número e parecermos muitos em caso de uma invasão extraterrestre.

Estou neste momento na pequena fatia que acha que a restante população deveria ir dar uma volta a Marte.

Esperem, senhores da NASA! Escolhamos antes outros colonos para um novo mundo.

Somos um bando de críticos de sofá que faremos sempre melhor, sempre seremos mais espertos, mais dinâmicos, mais
bonitos, mais magros, mais polivalentes.

Só não fazemos mais porque, e passo a citar, “não tenho tempo nem paciência para gastar com pessoas que não valem a
pena.”

E, como não fazemos nada, mas picamos ponto, estamos para a sociedade como os carros das escolas de condução ou os chamados “papa-reformas” para o trânsito – fazemos engarrafamento. Ou como o colesterol para as veias – só entupimos.

E aqui vamos andando, a pisar as ideias dos outros só pelo simples facto de não termos sido nós a tê-las.

Deveria haver uma lei que obrigasse toda a gente a ajudar quem quer pensar out of the box, a quem não tem medo de dizer “eu tive uma ideia”,
porque de facto a teve mesmo, e tem os requisitos para a levar avante.

Isto porque os que devem, marejados com o que os rodeia, não acreditam em si, no seu potencial. Mais! Muitos não têm o potencial, de todo. Pior! Esses são os que acreditam que têm talento para tudo quando na realidade não o têm. Desgraça! São seguidos por um bando de acéfalos que lhes dão voz.

Sou da opinião de que quem não pode fazer, deve deixar fazer. Como nos filmes, quando alguém se está a esvair em sangue e sicrano grita, lá do meio da multidão: “Sou médico!”. E o pessoal o que faz? Abre caminho.

E o senhor passa, faz truques como o MacGyver, e conclui a performance a salva uma vida.

Imaginem que não se abria caminho, e que o médico era impedido de prestar auxílio? Assistíamos, de forma
colectiva e passiva, a uma morte.

É o que acontece na vida real. As vítimas são os sonhos, que clamam por ajuda para serem concretizados. Mas não chega o socorro, porque os doutores não vêm, com as agulhas e os termómetros e os analgésicos e as compressas que a situação demanda.

Porquê? Porque esbarram nos empatas, que ainda se acham no direito de gritar “Ei, não empurrem. Parece que não têm tempo de chegar. Eu também esperei nove meses para nascer. Acalma lá os cavalos.”, e acrescentam um “meu” no fim, que dá um ar de mafioso capaz de
tudo.

São mesmo capazes de tudo. Capazes de ver um sonho morrer, em praça pública, sem mexer uma palha para que aconteça
o contrário.

Não bastando, os empatas são os mesmos que reclamam da inércia, da falta de resultados, de trabalho.

Dizem-no perante os sonhadores, que viram sangrar os seus planos em público. Eles apenas podem encolher os ombros,
e ir sonhar para outra freguesia.

“E os ideais, pá? Onde estão os ideais?”, ouve-se na multidão.

Mas os sonhadores, esses, já não estão.

Foram fazer as malas e reservar um bilhete para Marte, sem esperança que algo mude.


Coluna "Más línguas, boas conversas"
In Jornal Terra Quente

A culpa é do cosmos. Não! Da genética.

Já muito falei sobre o azar.
Essa Tânia, a que falava de azar, faz parte do passado. Isto porque depois de entrevistar o Padre Fontes me iluminei o suficiente para me mentalizar que isso das mezinhas e do mau-olhado são para outros, que não eu.
Agora, esta nova Tânia que vos escreve, sabe que as causas do improvável me bater à porta não estão em sapos e bruxas.
A causa é cósmica.
Sim, cósmica. Vinda lá do espaço, estão a ver?
Nah, continua a parecer rebuscado.
Bom, vamos aperfeiçoar e dizer que é genético. Tenho o gene da maleficência. Não que eu seja má. O gene é que é, e funciona como um íman para o lado negro de tudo.
Isto funciona melhor à base do exemplo, para que se entenda a minha dor.
Imagine-se que o meu telemóvel, com menos de dois anos, estava a dar-me muitos problemas. Como não tenho pachorra para telemóveis com síndromes de adolescente, que só fazem o que querem e quando querem, resolvi que estava na hora de comprar um novo.
Chegada à loja, e a seguir aos diálogos da praxe, escolhi um, que ainda por cima estava em mega-desconto. “Que boa compra fez, que pechincha!”, exclama a senhora da loja.
E eu saí de lá convicta disso, e feliz por ter um telemóvel novo, dual SIM e, pasmem-se, cor-de-laranja. Um sonho, portanto.
Duas horas mais tarde, o equipamento novo apresentava um pequeno traço preto no ecrã. De repente, já eram três, de cabo a rabo. E não posso afirmar que nada mais suceda.
Para piorar, a troca será um caso bicudo.
E é assim. Nada poderia ser fácil para mim. Nem mesmo a compra de um telemóvel. Se fosse outra pessoa qualquer do mundo, ele funcionaria com normalidade. Só que não. É meu. Por isso, havia de ser o que vinha com problemas.
Sinto-me uma Jane a participar no Survivor, só com uma faca de barrar manteiga no bolso de uns calções esfarrapados.
O melhor é ignorar. Até porque já estou mentalizada de tudo se me irá adensar num determinado momento. É como se andasse sempre com aqueles obstáculos do atletismo atrás ou como se de manhã atasse a sapatilha direita à esquerda. 
Poderia dizer-lhos que assim é que a vida tem piada – tudo difícil. E, enquanto isso, estofava o peito.
Mas não.
Culpo a genética por tão vil fado. Sigo, cabisbaixa, à espera que algum geneticista se debruce sobre o meu problema, e crie algum transgénico capaz de me tornar numa super-sortuda. Ou, pelo menos, em alguém normal.
E, enquanto vos escrevo estas pesadas linhas e verifico se o meu telemóvel não criou mais nenhuma risquinha insolente, sei que, por estas e por outras, nunca ganharei o Euromilhões, nem sequer terei o almoço feito quando chegar a casa. 



Más línguas, boas conversa
In Jornal Terra Quente

Morram as relações, morram! Pim!

As relações são irritantes. Todas as que envolvam um cariz amoroso, ou por aí, o são.
Ele é nomes fofos, é perguntas parvas, crises de ciúmes descompensadas… Uma panóplia de coisas que, a bem dizer, não fazem sentido.
Admiro as pessoas que formalizam o amor, dentro e fora das redes sociais. Que não dão um passo sem a outra. Que ficam iguais, quais gotas d’água de uma torneira mal vedada – falam da mesma forma, gostam das mesmas coisas, das mesmas cores, dos mesmos sabores de gelado, dos mesmos restaurantes, dos mesmos filmes.
Basta pum basta!
Temos que decidir se queremos alguém para ter uma relação ou um clone. Ou, melhor ainda, um ser híbrido, que faça tudo para nos ver feliz como uma criança no Natal.
As relações são como aqueles vales de desconto dos hipermercados – é para ir acumulando. Isto porque, dizem, o melhor é construí-la.
E se me apetecer e não for artigo de folheto? Tenho eu que esperar? Ou seja, novamente citando os entendidos, há que ser paciente, acarinhar, cuidar, estar presente.
Isto não é como ir a um hipermercado? Vamos passando, amiúde, a fazer de conta que só vamos comprar cigarros ou uma revista. Em boa verdade estamos de olho no tal artigo, que sabemos ir entrar em desconto na próxima semana.
E depois vem a correria, a azáfama de chegar a horas, de escolher o produto menos amachucado (é que todos queremos o melhor).
Isto é, ou não, tal e qual como fazer a corte a alguém? Vamos aparecendo, estando presentes sem pressionar, para na hora H, TINGAS!
Plantamos o amor num vaso (que compramos nos tais descontos) e vamos mimando até ficar grande. A fase seguinte é a das ervas daninhas que referi no início.
Tem que ser assim? Devo eu deixar de acreditar no amor sem interesse, sem querer um alguém como eu?
Eu não quero um “eu” masculino (até porque tenho barba que chegue). Quero alguém que não seja “eu” e que goste do meu “eu” sem o querer mudar.
Confuso?
Não quero alguém que fale como eu, que pense como eu, que goste dos mesmos gelados do que eu e que seja do Benfica.
Feliz de quem não precisa de todas as mariquices do amor para ser feliz. E para gostar de alguém.
O amor é forte e espadaúdo e único. Assim como cada pessoa.
Não façam clones – façam amor.
Pim!



Vade Retro!

Antes de me alongar em pensamentos sem sentido, devo avisar que 99,9% das pessoas que lerem este texto até ao fim se vão identificar com ele.

Aproveito para dizer que têm que passar o texto a dez pessoas antes da meia-noite. Ah! Antes disso tem que dar voltas a uma capela qualquer, à vossa escolha. E escrever coisas num papel (não, não falo da lista de compras). Se não o fizerem, não posso afirmar, mas poderão acontecer-vos coisas pouco agradáveis.

O mais provável é que não aconteça nada… Mas que as há, há. E mais não digo.

Isto tudo para vos dizer que somos todos um bando de azarados.

É isso mesmo! A-Z-A-R-A-D-O-S.

Estatisticamente falando, por mês (estou a usar um espaço de tempo simpático), usamos expressões como “tudo me acontece” ou “que azar do caraças”, e por aí fora, imensas vezes.

E mesmo quando um amigo nos diz “fogo, isso só mesmo a ti” não conseguimos deixar de sentir um pequeno orgulho gritante, que reprimimos, por modéstia. Isto porque ser azarado e passar impune dia após dia, é o mesmo que passar num corredor armadilhado com machados, bombas, buracos negros e mesmo zombies sanguinários, e sair ileso.

Tenho pensado nisto do azar porque começo a achar que alteraram o calendário, e que, na realidade, eu nasci numa sexta-feira 13 carregada e não num sábado 7 solarengo.

Ora, mas nem me importo. Não tendo caldeirão nem vassouras que passem as da Vileda que me valham, só posso concluir que todo o mal que se abate sobre a minha cabeça, para mal dos meus pecados, é simplesmente sinal de que estou viva por mais uns tempos.

Afinal tem muita razão quem diz que “não acontece só aos outros”. Pois não, meus caros. Acontece, espantem-se,a todos nós.

No dia em que deixarem as chaves dentro de casa, baterem com o carro, perderem documentos ou avariarem (estragar também é válido) objetos (só não o façam em semanas muito próximas, que é um bocadinho pesado. Oiçam a voz da experiência), não corram a hipotecar a casa para pagar a um Professor Bambo qualquer! 

Lembrem-se antes que, em alguma parte do mundo, haverá alguém na mesma situação. E que o Titanic se afundou num ano em que nem havia risco elevado de formação icebergs (isso é que foi azar).

Não sei se há bruxas, invejas,maus-olhados, mezinhas, macumbas, livros e rezas que sejam plo mal. Apenas posso jurar a pés juntinhos que o azar faz parte da vida, e que nenhum exorcismo vos pode livrar dele.

Não se preocupem com essas coisas. Mas, e não vá o diabo tecê-las, não tire esse dente de alho de onde está, enquanto eu dou três pancadas na madeira. 




Más línguas, boas conversa

In Jornal Terra Quente

São só 5 minutinhos

Há um hábito muito tuga, muito nosso e muito patriótico de pedir 5 minutinhos às pessoas.

Pedem-me 5 minutinhos na rua, quando caminho com pressa desenfreada; roubam-nos 5 minutinhos numa chamada telefónica (desconfio que mesmo nas linhas eróticas) para confirmar informações; 5 minutinhos demoram os nossos amigos a chegar ao local combinado; 5 minutinhos é o tempo que temos que aguardar numa repartição qualquer, para que depois seja a nossa vez; 5 minutinhos é o tempo que nos separa da resolução de todos os nossos maiores e prementes problemas; vamos dormir só mais 5 minutinhos de manhã.

Estes 5 minutinhos (e, reparem no diminutivo, que tem com função fazer parecer que se tratam de meros milésimos de segundo, e que num abrir e fechar de olhos, voilà, tudo pronto! Sem espinha nem espiga.) dizem-nos serr somente uma fracção irrisória da nossa cronologia.

Acontece que 5 minutinhos é muito tempo.

Tive plena consciência disso com duas miúdas de 6 anos, a quem, num acto que puro amor à bandeira das quinas, dei 5 minutos para se deslocarem à casa de banho.

Foi uma canseira ver as pequenas a galgar escadas, qual maratona ou corta-mato, para que não ultrapassem os precisos 5 minutos que lhes disponibilizei. Quando voltaram, ofegantes e orgulhosas por cumprirem o meu dealine, perguntaram-me: “Mas quanto é que são 5 minutos?”. É que elas não sabiam ainda o valor das horas, e os ponteiros a mexer-se no mostrador de um qualquer relógio pouco mais queriam dizer do que um tic-tac qualquer.

Retirada na minha ignorância sobre a infância, estiquei um pulso trémulo para lhes explicar (sou tão querida às vezes eu!). Depois de elucidadas sobre esta questão, encolheram os ombros, de declararam, com a espontaneidade que só uma criança de 6 anos tem: “Oh! Afinal 5 minutos é muito tempo!”.
E é mesmo. Elas têm razão.

Fazemos tantas coisas em 5 minutos. Desfazemos tantas coisas em 5 minutos.

Adiar 5 minutos, ou atrasar 5 minutos, pode fazer a diferença. Entre a atitude e a inércia estão, aposto eu, 5 minutos, de braços esticados, a marcar a distância.

Se podemos adiar 5 minutos, por que não fazer agora neste momento? Se queremos já, porquê esperar mais 5 minutos?

O tempo é precioso para o adiar sucessivamente. Ora perguntem ao Cronos.

Podiam dizer que noutros povos estas expressões temporais também são usadas, que não é nada de nosso, como a saudade. Pois eu acho que é. Aliás, alguns preferem falar em segundos. Mas nós, não. É tudo em grande, e por isso pedimos logo minutos.Nenhum outro povo pedirá 5 minutos com a clara noção de que, meia hora volvida, ainda estaremos no mesmo ponto, na mesma situação.

Isto dos 5 minutos é um engodo maldito para, normalmente, esquecer factos ou enganar o próximo.

Vejam bem: quando digo aos meus amigos (eles podem confirmar - sintam-se à vontade para falar mal de mim) que estarei a chegar em 5 minutinhos, eles sabem que é um claro sinal de que ainda nem acabei de me aprontar, e que me farei tardar. Se dissermos a alguém que fazemos/iremos/perguntamos/etc algo em 5 minutos, estamos a dizer que não queremos saber de nada do que nos foi proposto, e que, com a palma da mão a bater na nossa testa, descaradamente, nos desculparemos porque nos “esquecemos totalmente”. Quando, na rua ou à porta de casa, nos dizem “Tem 5 minutinhos?”, sabemos que nunca durará menos de uma hora.

5 minutinhos são então pílulas amnésicas, ou ampulhetas mágicas em que a areia no seu interior cai grão a grão, com prazo indefinido.

Ninguém me roubará 5 minutinhos indiscriminadamente, sem a minha permissão. Quando mos pedirem, irei olhar para os arames aguçados do relógio. E contarei, segundo a segundo, os 5 minutinhos que cedi.

Não sei se estarei certa ou errada. Mas, peço 5 minutinhos para pensar sobre isso.


Más línguas, boas conversa
In Jornal Terra Quente

terça-feira, 11 de março de 2014

Amar é de doidos

O amor não é racional – dizem.
Quando me declaram isto, imagino o amor numa sala toda branca e excessivamente iluminada, a baloiçar-se, numa cama também ela forrada a branco, com uma camisa-de-forças enfiada contra a sua vontade.
“Não deixem esse bandidão à solta!” – parece que ouço gritar, ao longe, como se se tratasse de uma mãe indignada, a defender a sua cria, quando entrevistada para o noticiário da tarde.
Eu, que sou uma grande desconfiada, não ponho as minhas mãos no fogo por essa teoria.
O que é não ser racional? É não pensar? É não ser coerente? É parecer um doente mental de um hospício?
Não acho nada disso.
Quando amamos alguém, sabemos que tudo pode correr mal. Sabemos que nem sempre será fácil, como nos filmes de domingo à tarde. Sabemos que morreremos de ciúmes, que passaremos noites tristes (e às vezes a chorar). Sabemos que quereremos alguém de uma forma que nunca conseguiremos explicar. Que pensaremos numa só pessoa, de inúmeros prismas, em que todos eles farão o nosso coração disparar. Que teremos saudades, que por vezes chegam a doer fisicamente, como se nos partissem todos os ossos do corpo ao mesmo tempo.
Sabemos isso tudo, e, mesmo assim, amamos.
Então, estamos a usar dessa tal razão de que despem o amor. Afinal, nós sabemos de tudo, mas preferimos avançar mesmo assim.
O amor é um sentimento racional. O mais racional de todos, porque pensamos todos os passos com um cuidado extremo. E, mesmo quando sabemos que estamos a fazer tanto sentido como um cachecol numa tarde de Verão, temos a firme certeza de que estamos a ser correctos.
Aquela música que diz, mais ou menos que “o amor é louco/não façam pouco/dessa loucura”, não passa de uma mentira pegada.
O amor é são. Sabe o que quer, sabe para onde vai. Pensa e repensa. Tem cobertura de exactidão, de razão. Nunca será insano. Nunca será sem sentido.
Porque amar nos torna humanos. Porque, ao sentirmos a falta de alguém, sabemos que estamos vivos e que somos capazes de dar o melhor de nós, de ser melhor. De estar melhor, até.
Se o amor não usasse toda a razão do mundo, e não fosse um sentimento pensado (até em demasia), seria como viver uma ilusão. E não o é. Podemos andar a pisar em nuvens cor-de-rosa ou em algodão-doce fofinho, mas é tudo verdade, é tudo real.
Quem é maluco de amor por alguém, é saudável. Esses loucos é que a sabem toda. Têm todos os parafusos na cabeça, ao contrário de uns e outros que cospem verdades sobre o amor, mas que na realidade estão a dizer devaneios e disparates, porque têm medo dele. E, como sabemos, desde os primórdios da humanidade, tendemos a por à margem e a descredibilizar aquilo que não entendemos ou que desconhecemos.
Confio mais num desses que apelidam de louco, que canta serenatas à luz lua, do que num qualquer engomadinho, que diga sobre o amor enormidades vestidas com palavras bonitas.
Digam quem é mais doidivanas – aquele que diz ao mundo que ama alguém, sem medo?; ou aquele que foge dele a sete pés, e que inventa desculpas de mau gosto para justificar ser legítimo não amar?



Publicado in Jornal Terra Quente

Coluna "Más línguas, boas conversas"

domingo, 19 de janeiro de 2014

O pão do dia

Não há nada que me dê mais consolação (prazer sádico, até) do que entrar numa padaria e pedir pão.
Claro que gosto de pão. Não conheço ninguém que não goste de pão. Pão é um gosto universal. É um bem essencial, de primeira necessidade.
Mas não é só aí que reside a tal consolação, em ser uma das felizardas do mundo que pode comprar pão.
Isto do pão tem uma magia associada, que é esta – o pão quer-se do dia. Quando cruzamos a porta de uma padaria, temos estampado no rosto que queremos esse mesmo do dia, o mais fresco, que, ao mesmo tempo, se estiver quente, agradecemos.
Ninguém nos dirá: “tenho ali um pão de sementes com um mês que está um mimo.” Ninguém nos perguntará: “mas quer pão de hoje?”. Não. Que parvoíce. É inerente ao pão. São indissociáveis.
Numa destas manhãs, enquanto esperava na fila para comprar, justamente, pão, aconteceu-me a maquinação de uma analogia, que me deixou ora inquieta, ora preocupada, mas no fundo, mais sábia.
Não só o pão se quer do dia. Os sentimentos também.
Sentir algo por alguém (da mera amizade ao amor onírico) acontece todos os dias. Várias vezes por dia. Como as fornadas de pão.
Não vamos ser amigos de alguém uma vez por mês, ou dar amor com dias atrasados. Faz lá agora sentido? Caramba!
Pão e sentimentos, aconchegados no mesmo saquinho de papel.
Não se guardam para os saldos. É no dia que eles são bons, suculentos. Não são acumuláveis em stock de armazém. Não se empacotam para usar quando calhar, ou para a próxima estação.
Sentimentos são como o pão. São sim senhor.
Podem e devem ser partilhados. Alimentam. São figura obrigatória (e sentimos a falta, se eles não estão). Ficam bem em qualquer lado. Sabem bem a qualquer hora. Acompanham bem com tudo.
Não me venham com as modernices das arcas congeladoras. Comprar pão para congelar é possível. E com classe energética AAA+. Depois, quando precisamos, metemos no microondas, esperamos uns minutos. E já está.
Mas, não mintam, nunca terá o mesmo sabor do pão do dia. Não é estaladiço, nem cheira à farinha da padaria. É um desenrasque, que perde qualidade.
O mesmo acontece com os nossos sentimentos. Não podemos congelá-los e esperar que sejam necessários. Ou que queiramos utilizá-los. Se sentimos “naquele” dia em específico, é porque é imprescindível, porque faz falta. Amanhã estarão rançosos. Já não farão o mesmo sentido que fariam hoje.
O que separa o pão dos sentimentos é simples: os sentimentos não aceitam encomendas. Não podemos pedir 20 doses de amor, e passar mais tarde para levar nos tais saquinhos de papel. São, isso sim, genuínos. E não devem levar fermento.
E, foi nessa mesma fila, enquanto esperava para comprar pão, que percebi que os melhores sentimentos são como o melhor pão: são produzidos e consumidos num só dia.
Não vamos guardá-los para amanhã, vamos experienciá-los, vivê-los e dizê-los já hoje – porque foi hoje que sentimentos, e não amanhã, nem no próximo mês ou ano.
Amanhã haverá mais (há sempre mais), e nós estaremos todos na fila, expectantes, antes que voem da prateleira.



Publicado in Jornal Terra Quente

Coluna "Más línguas, boas conversas"